domingo, 16 de agosto de 2015

POESIA & HISTÓRIA:

CANÇÃO DA TERRA DOS CARNAUBAIS
A MINHA gente provém
de indígenas e portugueses, (1)
e traz, no sangue, também,
o sangue dos Holandeses. (2)
Se os seus filhos, quando nascem,
talento não denunciam,
Morre na infância  primeira,
porque asnos lá não criam. (3)

1. A colonização portuguesa já encontrou no Rio Grande do Norte povoado de tribos paiacus, paiins, mororós, pegas, caborés, patatis, janduís, etc. 
Os paiacus povoavam do baixo Jaguaribe, no Ceará, à serra do Apodi, e a várzea do Assu, onde também habitavam os Janduís, "Num assalto furioso que os indígenas tentaram contra o arraial do Assu, escreve Câmara Cascudo (história do Rio Grande do Norte, Rio, 1955), os paiacus defenderam valorosamente os brancos, salvando-lhes a vida e fazendas, e guiando a repressão".
No Assu, o africano seguiu o exemplo dos seus infelizes irmãos, que desembarcaram no Recife, Bahia, Rio de Janeiro, etc. Misturou-se ao indígena e ao branco, dando-lhes os braços para o trabalho e música e dança para os prazeres de amos e ioiôs. 
No lugar Vaca Morta (atual Bela Vista-Piató), ao norte da cidade, existe um núcleo de pretos, que parecem não ter recebido nenhuma gota de sangue branco ou indígena. 

2. Nestes versos, o autor se refere às origens da família Wanderley, descendentes do holandês Gaspar Wanderley (*), chegado ao Brasil com as invasões flamengas. É o mesmo que, em 1668, estando em Lisboa, requereu a Maurício de Nassau certidão de nobreza.
O primeiro Wanderley (grafia brasileira que nem mesmo as reformas ortográficas conseguiram modificar) chegado ao Rio Grande do Norte, foi Gonçalo Lins Wanderley, que era pernambucano e casou no Assu, com Francisca Xavier de Macedo. Gonçalo foi pai de João Carlos Wanderley e Manuel Lins Wanderley. 
João Carlos, nascido a 25 de julho de 1811, na antiga Vila Nova da Princesa (cidade do Assu) em 1845, foi o fundador da imprensa na sua terra e, transferindo residência para a capital da Província, fundou e dirigiu jornais e foi político. De 1879 a 1889, dirigiu o Correio de Natal, em cujas oficinas Pedro Velho mandou imprimir A República, a 1º de julho de 1889, órgão do recém fundado Partido Republicano. Foi também secretário do governo provincial, Inspetor do Tesouro, diretor da Instrução Pública, Deputado Provincial, Deputado Geral, esteve no governo da província (o mesmo que governador do Estado), de 25 de novembro de 1848 a 24 de fevereiro de 1849 e de 25 de março a 6 de maio de 1850. (v. Câmara Cascudo, in Governo do Rio Grande do Norte, Natal, 1939). Faleceu em Natal, a 2 de março de 1899, inteiramente desiludido da política e dos políticos.
Manuel Lins Wanderley, seu irmão, outro varão ilustre da família, foi o pai do Dr. Luiz Carlos Lins Wanderley, médico, dramaturgo, poeta e romancista, e de Belisária Wanderley de Carvalho e Silva, Baronesa de Serra Branca.
Não foi literato, como os seus parentes, mas foi homem de prestígio na política e no comércio de sua terra. Dirigiu a construção das torres da Igreja de São João Batista, padroeiro do Assu, empenhando para isso o seu patrimônio particular. 
Recebeu na praça pública, por solene aclamação dos povos, "a patente de coronel".
Todos os Wanderley de Natal são descendentes dos de Assu, sendo que alguns nasceram na própria taba. 

(*) GILBERTO FREIRE, em CASA GRANDE & SENZALA (7ª edição. II vol. diz que "Gaspar Wanderley, fundador da família, casou-se  com uma moça da família Melo, em pernambuco, e teve de abraçar a religião da noiva, filha de rico senhor de engenho, procedimento que os seus patrícios nunca perdoaram".

3. Assim como se diz na Bahia, que baiano que nasce burro, morre cedo, a mesma coisa se afirma em relação aos assuenses. É um elogio à inteligência inata dos filhos da antiga Vila Nova da Princesa.
Desde os primeiros tempos que a nossa gente se destaca pela sua natural vocação para as letras, principalmente a poesia e o jornalismo. Até às três primeiras décadas do século atual (passado), os assuenses não dispunham de outro estabelecimento de ensino, além de cursos primários, inclusive o Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia, inaugurado em 1911.
Mesmo assim, tornam-se autodidatas e brilham pela inteligência e pelo espírito. Que estudos tiveram João Celso Filho, João Carlos Wanderley e Angelina Macedo, Palmério Filho, Francisco Amorim, Oliveira Júnior e Renato Caldas? Nunca viram, nem ouviram as aulas de um colégio secundário, nem tampouco tiveram professores de humanidades. No entanto, fizeram e fazem (atualmente todos já falecidos)  milagres nos setores intelectuais. 
Fonte: Canção da Terra dos Carnaubais - Rômulo Wanderley.
Fotografia: Jean Lopes.

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