terça-feira, 22 de abril de 2014

POEMA AO ASSU

A DERRUBADA
 
Reboa o machado,
No seio umbroso da floresta,
Num assíduo fragor monótono, vibrado
Pela força brutal do homem rústico e bronco;
E, pancada a pancada, a lâmina funesta
Golpeia o rijo tronco
De uma árvore copada.

É a derrubada!
 
A árvore, de alto a baixo, estremece e farfalha
A cimeira plethorica, por onde
Ascende a seiva e a circular, de fronde em fronde,

Pela folhagem viride se espalha,
Como si a cada golpe, a cada corte,
Em contorções, em ríspido arrepio,
Sentisse o calafrio
Invencível da morte.

A árvore treme, a cada
Violenta cutilada
Que, ferindo-a desfere a derrubada.

Abandonam-lhe os ramos seculares,
Festonados de frutos e de flores,
- verde Arcádia dos pássaros cantores,
As aves e os insetos,
Que, assustados e inquietos,
Em debandada, fogem pelos ares.

E como é triste ver a árvore abandonada
Seguindo a tribo fugitiva e alada,
Espavorida pela derrubada!

Aos rudes golpes, aos fundos talhos
Que lhe abre, em lascas, no duro lenho,
Ferindo largo, cortando cerce,
Decepando as hastes, mutilando os galhos,
O aço rompendo as fibras e os tecidos
A esse herói vegetal cheio de cicatrizes,
Arranca-lhe a cortiça um rangido rouquenho
- um gemido maior que os humanos gemidos...

E a árvore estala, verga, as ramadas derreia
E, aluída no solido alicerce
Das profundas raízes,
Baqueia...

Tomba corta,
Desarvorada
Aos embates da derrubada.

Morre...
E o homem que, sem piedade, a desmorona,
Certo não vê no caule o sangue que lhe escorre
Em resina aromal sobre a nodosa tona
Da planta maternal, que produzira outrora
Flores para adornar a cabeça de flora
E frutos para encher o colo de Pomona.
O machado reboa... E pancada a pancada,
Prossegue, mata adentro, a derrubada.

Nos ímpetos selvagens
Da sua faina Barbara e nefasta,
O destruidor devasta
Os arbustos do campo, os altos arvoredos,
Extinguindo com o exílio das folhagens
Os aspectos, encantos e segredos
Do doce bucolismo das paisagens.

E eis em pouco amontoada
A selva sobre o chão, na derrubada.

Rasgam-se clareiras
Na cerrada espessura
Da mata, agora exposta aos inclementes
Rigores das soalheiras,
Enquanto sob a verdura
Enganosa da alfombra
Os mananciais circunjacentes
Vão se esgotando, à míngua da frescura
Benéfica da sombra...
E vão secando fontes e correntes...
Vão se exaurindo os veios transparentes
Da água límpida e pura.

Quem sabe a limpa tímida, assustada,
Se esconde da derrubada!

Sucumbe a flora de desconforto
E a fauna foge espavorida,
Ante o infortúnio, ante a tristeza,
Ante a desolação da floresta abatida,
Horto
Onde ninfas em pranto, onde faunos em prece
E lastimosas dríades parece
Dizerem para os céus, num grande apelo à Vida,
Pela unânime vos da Natureza:
- “Pai, nosso Deus é morto!”

E a mater natureza, amargurada,
Dos espaços chora sobre a derrubada...

Cai a chuva fecundante...
E a terra adusta, calcinada,
Torna-se por encanto, verdejante:
Os troncos brotam, reverdecem; tudo
Germina em festões verdes de esperança,
Como para mostrar ao homem bárbaro e rudo,
Em cada broto, em cada folha, em cada frança,
Que, como Deus, ressurge a floresta sagrada!

É o protesto da Vida renovada
Contra a derrubada!

Da Costa e Silva
Antologia

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