terça-feira, 17 de dezembro de 2013

CRÔNICA

Escrevi esta crônica em 2006... A saudade felizmente desenterrada por meu amigo Fernando de Sá leitão a traz à tona novamente. Compartilho-a com vocês...
SAUDADE DAS CARTAS DE AMOR RIDÍCULAS

Alan Dantas
Hoje, por uma inspiração angelical (ou “Angelinal”), resolvi escrever sobre cartas... Sobre os registros dos nossos sentimentos e percepções destinados a alguém sempre especial, independentemente das circunstâncias... É triste notar que, em nossos dias, as cartas tenham perdido o seu valor de estima. No nosso mundo corrido e técnico-lógico, não há mais espaço e tempo para pôr o punho à prova e ousar abrir as sentimentalidades de que a alma se arma... A cada momento que se passa, percebemos uma comunicação artificial, uma relação baseada em valores que não constroem o bem no ser humano, mas que o fabricam. O ser humano, essa obra de arte invencível em perfeições e diferenças, não deve ser fabricado... Suas vontades e sua essência lhe são caras, mas o mundo atual não tem permitido que os pincéis deem vida ao arcabouço grisalho que se nos apresenta como homem. 

É muito mais rápido enviar um e-mail para aquela pessoa distante... E viva a internet por causa disso! O problema, aliás, a decepção está em saber que nem sempre as mensagens virtuais transmitem aquilo que dentro de nós está. Na maioria das vezes, vemos em nossa caixa postal um emaranhado de textos prontos (e que nem por isso deixam de ser belos), mas que não falam ao nosso coração como deveriam porque não foram feitos especialmente para nós... Depois de terem criado o botão “Encaminhar”, os internautas não se dão mais ao luxo de personalizar suas palavras... Dizer “eu o amo, eu quero estar perto...” está cada vez mais banal. E é esse o perigo que corremos quando globalizamos, também, o nosso comunicar... Talvez as cartas sejam uma boa e velha solução para isso, embora esteja cada vez mais difícil postar alguma... Nas extensas filas que presenciamos nos Correios, encontramos mais faturas a pagar e benefícios a receber do que construtores de relações. O espaço que vivia sob o encanto da palavra e do retornou tornou-se, infelizmente, mais um núcleo de burocracias governamentais e financeiras. Onde está a magia de escolher um selo?

Confesse-me, se você já recebeu alguma carta, o insondável prazer que há em tocar o papel cuidadosamente dobrado, apreciar a arte do selo posto, elogiar ou sorrir da caligrafia ora marcada naquele envelope tão simples... E a ansiedade para ler, então? É aquela pessoa distante que agora está próxima... São palavras dela diretamente destinadas a você! Todo o cuidado artesanal, o perfume que, intencionalmente ou não, marca aquele momento todo único e todo seu... Não há e-mail que substitua essa experiência... Não há telefonema que vença as reações que emanam de uma carta... Há quem diga que é ridículo, principalmente quando se trata de cartas de amor... Mas o poeta desabafa sempre antes de nós! Nosso amado Fernando Pessoa já dizia: “Todas as cartas de amor são ridículas...” Mas, como ele mesmo enfatizou, mais ridículo ainda é quem não escreve cartas de amor... Tenho, nesta hora, um imenso desejo de me perder no ridículo das cartas... de me encontrar nos conselhos de um amigo distante! Quero e decido perder o medo de me desvendar em um pedaço de papel, de me descobrir frágil e amante, de me entregar ao outro como sou! Não quero apenas colar frases prontas, embora possa utilizá-las no início ou fim das verdades que tenho para escrever... Quero lançar-me no exercício ridículo de escrever à pessoa amada e ser ridiculamente feliz! Quem não quer? Quero empreitar a jornada de enfrentar as filas imensas dos correios, esperando que um dia sejam apenas amados amantes e escritores de cartas os que preenchem essas filas! Não podemos mais continuar em nosso medo de sentir... em nossa teimosia em não amar! Quando, um dia, nossa alma estiver disposta e escrever ao mundo os anseios de bem e de paz que ela guarda, nenhuma guerra resistirá à beleza presente em nossas linhas... Já me disseram por várias vezes que Deus escreve certo por linhas tortas... Acredito que ele apenas escreve verdades! E não escreve em linhas, porque, por mais infinitas que sejam, não comportariam o imenso desejo que Ele tem de falar aos corações... A natureza talvez seja uma dessas grandes cartas de amor de Deus, manifestando-se Ele como for ou como você crê... O problema é que temos esquecido de reler suas palavras... Afinal, cartas de amor foram feitas para serem lidas e relidas...

Faça a experiência... Escreva uma carta de amor! Beije o papel, imprima nele o seu cheiro... Capriche na letra e arrisque a letra de uma música em um anexo... Seja ridículo por um dia ou dois... A eternidade do sentimento impresso no papel lhe será a recompensa mais justa... e feliz!

COMENTÁRIOS:



Ângela Rodrigues Gurgel Você escreve com o coração e sempre nos emociona. Saudades de nossas cartas. Abraços

Peterson Nogueira Menino, eu já tinha lido esse texto. Show, show!

Rosmari Nervis de Souza Uau! Expressa exatamente o que eu sinto em relação ao sentimento de receber ou enviar uma carta. As cartas são objetos tão preciosos que quando as pegamos nas mãos, quando as tocamos, nos fazem sentir a presença de quem a escreveu, e melhor ainda, sabemos que quem a escreveu também a tocou. Quer sentimento maior do que esse? A internet jamais conseguirá reproduzir isso. O cheiro, a marca, permanece na carta, enquanto que as palavras digitadas e encaminhadas perdem seu perfume ao longo de sua trajetória. O click anula todo e qualquer resquício de sentimentalidade. Belo texto, professor! Me orgulho de ti! Bjus

Jaiza Lopes Que coisa mar'linda, Alan! Que nós (seres humanos) possamos perdermo-nos na magia do amor e da palavra. Gozemos do prazer de ser ridículos e felizes - amando, amantes, amados, amáveis... Xêro!!!!

Liana Fonseca de Melo Afinal, só quem nunca escreveu cartas de amor é que é ridículo!!

Naligia Bezerra Linda carta Alan Dantas, me fez refletir muito e voltar no tempo quando aguardava as cartas dos amigos distantes...tempos que não voltam...mas mesmo diante desse mundo "tecnico-lógico",podemos procurar escrever nossos sentimentos, sem adotar publicações prontas como se fosse uma roupa que vestimos não acha? Sinto-me lisonjeada de ter sua marcação como uma pessoa que lhe inspira poesia, mais que isso, sou grata pelo seu carinho e amizade. Parabéns pela reflexão, pela crônica e pela pessoa que és, LINDA! Um grande beijo!

Ivan Pinheiro Pinheiro Bezerra Parabéns grande poeta. O Assu se orgulha da pessoa que você é. Continue firme no propósito de engrandecer a literatura assuense e norte-rio-grandense. Estou postando (espero contar com sua autorização) no blog Assu na Ponta da Língua. Um forte abraço!

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