quinta-feira, 28 de novembro de 2013

HISTÓRIA

Evolução Histórica do Assu - Parte II

Os Janduís e seus costumes

Pelo que se pode deduzir baseado nos cronistas seiscentistas, os tapuias (Janduís) usavam os cabelos sobre o pescoço, aparados na testa até acima das orelhas, assumindo o penteado a aparência de um boné. As mulheres usavam cabelos curtos. Os reis usavam os cabelos cortados à maneira de uma coroa. 

Os Tapuias andavam inteiramente nus. Não usavam barbas e depilavam sistematicamente todos os pelos surgidos no corpo, inclusive as sobrancelhas. O historiador Barleu descrevia-os como imundos.

Os homens escondiam as partes íntimas com um anel de palha ou cendal, espécie de saquinho, tanga ou cesto feito da casca de certa árvore.

Quanto às mulheres tapuias, Carrilho informava que as mesmas recobriam as suas partes íntimas com uma folha ou raminho na frente. Barleu acrescenta que aquele cinto de folhas era recolocado, novo e fresco, a cada dia. 
Nieuhof e Marcgrave descrevem vários adornos usados pelos tapuias, utilizando-se de designações no idioma geral. Os homens portavam uma espécie de coroa, feita de penas de guará ou Canindé, penduradas na parte traseira da coroa algumas penas de arara ou kamund. Alguns prendiam à cabeça, apenas uma cordinha de algodão, da qual pendiam algumas penas vermelhas ou azuis, denominadas, no tupi, Acanbuaçaba. (Medeiros Filho, 1984; 33/34/35).

Aparecidos os sinais de puberdade, a donzela já se encontrava em condições de casar-se. Tais sinais eram revelados pela mãe aos feiticeiros, que participavam a ocorrência ao rei. Afirma Barleu que o fato de a moça casar-se virgem representava uma grande honra para si e para seus pais, em cuja casa ela era guardada desde o início da sua puberdade. Informado o régulo da ocorrência, dava a permissão para a cerimônia matrimonial, ocasião em que o futuro genro agradecia à mãe da moça os cuidados tidos com a virgindade da filha.

No caso de não lhe aparecer pretendente matrimonial, a donzela recebia uma pintura vermelha debaixo, ou em torno dos olhos, levando-a a mãe à presença do rei. Este a colocava sobre uma esteira, aquecia as mãos junto ao fogo, envolvia-lhe o rosto sob uma nuvem de fumaça de tabaco, tratava-a ternamente, e – finalmente – possuía-a. O sangue das donzelas era lambido pelo rei, sendo tal ocorrência considerada uma honra para a jovem, e encarada como uma premissa de uma vida longa.

Descreve Herckman que os jovens pretendentes tinham de, primeiramente, demonstrar o seu valor pessoal, mediante feitos de armas ou exibição de força física, provada esta pela capacidade que apresentassem de percorrer certo espaço, carregando pesados troncos de árvores. Marcgrave descreve que aprovados pelo rei os pedidos de casamento, os rapazes eram conduzidos a um local próximo ao acampamento, onde se reuniam às suas noivas, seguindo todos juntos a um ponto abundante de caça. Ali chegados alguns deles embrenhavam-se nos matos, até encontrarem vestígios da presença de feras. Regressando à presença dos demais, davam-lhes indicações precisas sobre os pontos em que se encontravam os esconderijos daqueles animais.

Depois, auxiliados por cães de caça, seguiam os rastos dos animais perseguidos, encurralando-os e matando-os. Segundo Marcgrave, às vezes, chegavam a ser mortas ou aprisionadas duzentas feras! Eram retirados os intestinos dos animais mortos, atirados aos cães, levando-se a carne para o acampamento. 

Entravam em ação as índias casadouras, torrando ao fogo as vísceras que eram comidas pelos homens. Tirados os pelos, cortavam os corpos dos animais em diversas porções. Aberta uma cova no chão, ali depositavam as carnes, cobrindo-as com terra, sendo acesa uma fogueira por cima, o que provocava um perfeito preparo das mesmas, que ficavam bem assadas.

Eram feitas bebidas à base de mel de abelhas. E, assim, passavam o restante do dia a comer. Regressavam à barraca do rei para deliberarem sobre a caçada do dia seguinte. E assim, sucessivamente, até a conclusão da temporada.

Informa Herckman que patenteado o valor de cada candidato ao casamento, ocorria a cerimônia das bodas. Abria-se-lhe um buraco em cada uma das faces, neles metendo-se pauzinhos ou ossinhos de cor branca parecidos com pedaços quebrados de cachimbos, com o tamanho de 3 a 5 polegadas de cumprimento, o que representava um distintivo matrimonial. Os que não apresentassem tal característica, em idade viril, era objeto de pouca estima e consideração. (Medeiros Filho, 1984; 41/42). 

Baseados nas informações de Jacob Rabbi, presenteadas ao conde Maurício de Nassau, os cronistas Barleu, Piso, Nieuhof e Marcgrave, deixaram descrições sobre alguns aspectos relacionados com a gravidez e parto das índias. 

Achando-se a índia grávida, o seu companheiro abstinha-se de relações com ela e coabitava com outra. Igual procedimento era adotado com respeito à lactante, a menos que o marido tivesse uma única esposa.

Prestes a dar à luz, ou logo após, a tapuia retirava-se para as matas e esconderijos, se o céu estivesse sereno. Nascida à criança, cortava-lhe o umbigo com um caco afiado ou uma concha, devorando a mãe, a seguir, o umbigo juntamente com a placenta, depois de cozidos. 

Na fase puerperal, a mãe e o filho lavavam-se na água corrente duas vezes ao dia, pela manhã e à tardinha. Havendo uma mudança de acampamento, outra mulher cuidava da criança, poupando a puérpera dessa tarefa.

Piso dá conta do costume que tinham os maridos, por ocasião do parto das companheiras, de deitar-se desde os primeiros dias do livramento, a maneiras de parturiente, comendo doces e manjares, manifestando dessa maneira a necessidade de “restaurar” as forças perdidas. O resguardo masculino estendia-se por oito ou mais semanas.

Sobre o adultério, o cronista Barleu informa ser rara tal ocorrência, permitindo-se ao marido expulsar a ré da violação, depois de açoitá-la. No caso de haver o flagrante, o marido poderia matar os infratores. Jacob Rabbi, citado por Marcgrave descreve que o rei Janduí, em virtude de ter sido vítima de adultérios, matou algumas de suas esposas. 

A região, em decorrência do seu clima onde favorece as secas e estiagens, obrigava os seus primitivos moradores ao regime nômade de vida. Neste sentido, vejamos a narração de Piso: “Não tem morada estável nem fixa, antes vagam por aqui e ali, segundo os atraia ou afugente a abundância ou penúria de alimento. Gostam de viver insulados. Não suportam tugúrios nem esconderijos, mas passam sempre a vida ao ar livre”. (Medeiros Filho, 1984; 55). 

Quando mudavam de acampamento, carregavam, consigo dois troncos de árvores jazidos no chão, à distância de um tiro de pedra da tenda do rei, separados um do outro pela distância de um passo. Formavam-se dois grupos ou bandos, em frente a cada um desses troncos, sendo escolhido de cada turma um representante, considerado o mais forte deles. 

Cada representante colocava um tronco às costas, com grande divertimento, partindo na carreira, o mais rápido possível, seguido pela multidão. Ao ser atingido pelo cansaço, transferia o tronco para outro companheiro de grupo, continuando a corrida. O bando que chegava primeiro ao local de destino vaiava os componentes do grupo perdedor. 

Essa espécie de esporte chamava de “correr a árvore”. Os Tapuias tiravam a casca das árvores sob a ação do fogo e poliam a madeira toda em volta, eliminando todos os nós. Parece-nos que tal árvore era carnaubeira. (Medeiros Filho, 1984; 43/45/55/57). 
Foto ilustrativa
Para reforçar essa tese lembramos que essa prática de se trabalhar o tronco foi utilizada até o século passado quando os habitantes usavam a carnaúba velada para as construções de casas e outros artefatos domésticos. 

O historiador Herckman, impressionado com a longevidade dos tapuias, informava que:

“Em geral eles atingem a uma idade mui avançada, alguns contam 150, 160 até 200 anos, de sorte que já não podem andar e devem ser carregados em redes. Contudo, são tidos em grande consideração, pois, quanto mais velhos se fazem, tanto mais honras lhes tributam, isto é, sendo pessoas do sexo masculino, e não do outro sexo, porquanto, em parindo as mulheres uma ou duas vezes, são tratadas como escravas”. (Medeiros Filho, 1984; 37).

Piso revela que caindo algum dos tapuias doente, é visitado pelos amigos, cada um prestando-lhe informações sobre os remédios de quem têm conhecimento pela experiência. Usando os espinhos de uma árvore chamada carnaíba (atual carnaúba), ou os dentes dos peixes, com que fazem as pontas de suas flechas, escarnam e cortam profundamente a pele que reveste os músculos dos braços e das coxas, julgando que assim livravam os membros da perda das forças. Também aplicavam sucções fortes com a boca, de encontro à parte ofendida. Usavam enfiar na garganta do doente, folhas silvestres enroladas, a fim de provocar o vômito ao paciente. (Medeiros Filho, 1984; 37).

Quanto aos hábitos alimentares dos tapuias, o cronista Herckman expõe:

“... Uma vida inteiramente bestial e descuidosa. Não semeiam, não plantam, nem se esforçam por fazer alguma provisão de viveres. Quando vão a algum lugar na região inferior fora de suas terras, onde há gado ou outros animais posto que estejam selvagens e não se deixem apanhar nos bosques, eles podem, todavia alcançá-los e atirar-lhes as suas azagaias, de modo que os abatem, e por então fazem seu alimento (...). Não guardavam para o dia seguinte, o alimento que pudessem comer no dia corrente. Tinham tamanho apetite que conseguiam ingerir duma só vez o alimento que seria consumido por um neerlandês em cinco refeições. Acossados pela fome, os tapuias conseguiam passar até cinco dias sem comer, auxiliados por certas cascas de árvores atadas ao ventre, que tinham o efeito de fazê-los esquecer a fome”. (Medeiros Filho, 1984; 59).

Um dos fatores da mortalidade indígena eram as picadas de serpente venenosas. Outro grande inimigo da integridade física dos Janduís eram as piranhas, a que eles chamavam de carfa. Tais peixes mordiam os índios, ao atravessarem os rios, arrancando-lhes pedaços do corpo e até braços e pernas. 

Quando morria um tapuia, de ambos os sexos, era o mesmo devorado pelos companheiros, sob a motivação de ser um ato de piedade. Havia exceção, se a causa mortis tivesse sido peçonha, não incluído o veneno de cobras.

O cadáver era levado para fora do acampamento, muito bem lavado e esfregado, sendo desentranhado pelos feiticeiros, curandeiros e adivinhos, que o talhavam membro a membro. As velhas faziam uma fogueira sobre o chão, acima da qual punham o corpo e deixavam-no assar bem. As mesmas velhinhas encarregavam-se de celebrar as exéquias, com lágrimas e lamentações. Terminado de ficar bem assado, o corpo era devorado pelos presentes, sob grande algazarra e lamúrias, fazendo parte destas a aplicação de golpes no peito. 

Quando os participantes não conseguiam comer o corpo todo, então guardavam o resto para uma ocasião oportuna. As manifestações de pranto cessavam ao terminar o festim macabro. Os ossos, depois de queimados, pisados e pulverizados, eram guardados cuidadosamente até a celebração do festim solene que ocorresse, ocasião em que eram comidos em vez de doces. Eram também ingeridos dissolvidos n’água. 

Os cabelos do morto também eram reduzidos a partículas muito diminutas, sendo ingeridos, misturados com água. 

Enquanto os ossos do defunto não fossem consumidos, os parentes próximos do mesmo arrancavam os cabelos em sinal de luto, não participando também de danças e cantos.

Os cadáveres dos principais eram comidos assados, somente por seus pares, informando Barleu que apenas a cabeça, as mãos e os pés dos mesmos. 

“Falecendo o próprio rei ou o seu filho (comatyn) que o secundava no governo, ou algum “grão senhor”, os seus corpos somente eram devorados por suas próprias esposas. No local onde tais pessoas de alta importância morriam, punha-se uma memória, ali reunindo todos os anos os seus companheiros de tribo, “para fazerem uma oferenda ao Diabo, a fim de que sejam seus servidores (do diabo), pois eles o têm por seu deus”. (Medeiros Filho, 1984; 39). 

As opiniões dos cronistas a respeito da religião dos tapuias são as mais desfavoráveis possíveis. Marcgrave escrevia que “os tapuias até agora são os piores de todos os restantes. Nada sabiam de Deus, nem querem ser instruídos”.

Pedro Carrilho de Andrade ajunta que os tapuias “não tem fé, nem lei, nem piedade, o seu deus é o seu ventre e nada mais lhes dá cuidado”. Herckman descreve-os: “São homens incultos e ignorantes, sem nenhum conhecimento do verdadeiro Deus ou dos seus preceitos: servem, pelo contrário, o diabo ou a quaisquer espíritos maus, como tratando com eles temos muitas vezes observados”.

A respeito da mitologia dos tapuias, Piso relata que alguns grupos tinham por deus o trovão, outros a Ursa Maior ou outros astros. Barleu informa que “em lugar de Deus, adoram os tapuias a Ursa Maior ou o Setentrião, a que nós, pelo seu feitio, chamamos com o povo a Carreta. Quando de manhã vêem essa constelação, alvoroçam-se de alegria e dirigem-lhe cantos, danças etc.” 

Os cronistas referem-se ao papel desempenhado pelos feiticeiros e adivinhos, junto à comunidade indígena. Pedro Carrilho de Andrade garantia que os Tapuias tinham “muitos feiticeiros e agoureiros que lhe adivinham os bens e males que lhes há de suceder aos quais dão inteira fé e crédito, e não fazem nem obram cousas alguma, sem que primeiro os mandem adivinhar". (Medeiros Filho, 1984; 37/38/39 e 70). 

Segundo os costumes pesquisados dos Tapuias eles eram os mais ferozes.
Do livro: ASSU - Dos Janduís ao Sesquicentenário - Ivan Pinheiro

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